Guilherme Damasio Goulart
No âmbito da jurisprudência trabalhista, tem sido comum o pedido de produção de provas digitais de geolocalização do empregado para a verificação de seus horários de trabalho. Tais pedidos são feitos, sobretudo, pelas reclamadas, que buscam, por meio dessa prova, contrapor argumentos envolvendo a realização de horas extras, sobreavisos, etc. Esses pedidos têm como objetivo obter dados pessoais dos empregados mantidos por partes terceiras, ou seja, por operadoras de telefonia.
Essa tendência desperta grande preocupação devido aos efeitos invasivos à privacidade do titular dos dados, bem como o tratamento inadequado de dados pessoais. Sabe-se que as empresas, há muito, já possuem diversos meios de comprovação da presença dos empregados no seu espaço de trabalho, tais como os registros de uso dos sistemas corporativos (sendo comum o uso de diversos sistemas concomitantemente), registro de ponto, além das próprias câmeras de monitoramento interno. Ao buscar obter dados de geolocalização do empregado, as reclamadas estão invadindo sua esfera privada, obtendo dados coletados com propósitos totalmente distintos daqueles de produção de prova em processos trabalhistas. Além disso, sabe-se que, a depender do contexto, os dados de geolocalização podem trazer informações sensíveis, já que podem indicar presenças em consultórios médicos, sindicatos, sedes de partidos políticos ou outros locais que evidenciem preferências sensíveis dos empregados.
Entende-se como perigosa, portanto, a possibilidade de exigir de partes terceiras, estranhas à relação laboral, dados das mais variadas naturezas, com potencial de serem classificados como sensíveis, para a produção de provas de jornada de trabalho. Felizmente, a jurisprudência começa a vedar tais práticas. O Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região (RO 0000846-34.2023.5.08.0011) indeferiu a produção dessas provas, afirmando que "deve ser afastada a produção desse tipo de prova, sob pena de eventual violação à sua vida privada, principalmente pelo fato de haver outros meios de prova pré-constituída, como cartões de ponto e provas testemunhais, aptos a elucidarem as questões controvertidas a respeito do horário de trabalho". O acórdão reconhece que a produção de tais provas violaria o direito fundamental à privacidade, já que "permite o acesso aos locais percorridos por ela, de forma indistinta, sem que haja separação entre o período de suposto labor e da sua vida privada, o que viola o direito à intimidade". Destaque-se também a autonomia entre privacidade e proteção de dados, sobretudo diante do recente reconhecimento da proteção de dados pessoais como direito fundamental (inc. LXXIX, do art. 5º da CF, incluído pela Emenda Constitucional n. 115).
A tendência da jurisprudência de não reconhecer tais possibilidades em matéria de produção de provas deve orientar os empregadores a implementarem meios aptos a comprovarem a jornada laboral. No entanto, tais meios devem obedecer aos imperativos trazidos pela LGPD, sob pena de desrespeitar os direitos dos empregados pelo tratamento inadequado ou ilícito de dados pessoais.